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Justiça do ES segue jurisprudência internacional e reconhece direito de paciente não receber transfu

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No dia 5 de novembro de 2020, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo concedeu a um paciente de 65 anos o direito de não receber transfusão de sangue. Cerca de um mês antes, o hospital onde ele estava internado para uma cirurgia entrou com um pedido para realizar a transfusão forçada no paciente.

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O caso se estendeu da comarca do município de Serra para o Tribunal de Justiça do Estado, com a atuação do Ministério Público. No dia 7 de outubro, a AEBES, associação que administra o Hospital Evangélico de Vila Velha, ajuizou um Pedido de Tutela de Urgência para realizar a transfusão de sangue. O juiz negou o pedido. No dia seguinte, a associação recorreu ao Tribunal. Desta vez, o relator, acatou o recurso e permitiu a transfusão forçada.

O paciente, que é da religião Testemunhas de Jeová, entrou com um pedido de reconsideração da decisão do tribunal. O desembargador-relator do caso pediu parecer do Ministério Público que se manifestou contrário à transfusão forçada e a favor do paciente.

A defesa apoiou-se na jurisprudência internacional que considera a imposição de tratamentos médicos como uma agressão aos direitos humanos como a tortura. No dia 5 de novembro, o religioso conquistou o direito de fazer a sua escolha. O desembargador Dair José Bregunce de Oliveira alegou ter mudado de opinião ao receber “argumento hábil (...) manifestando vontade livre e consciente e estando no pleno gozo dos atributos de sua capacidade”. A decisão mencionou ainda a necessidade de se garantir o direito, não apenas à vida, mas também à dignidade humana e à liberdade de crença. Por isso determinou que o hospital respeite a recusa de transfusão de sangue do paciente.

A questão não é nova e será enfrentada em breve pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo em um Incidente de Assunção de Competência, procedimento que poderá vincular todos os cidadãos do Estado. Em diversos países, a Justiça vem tomando decisões sobre o limite da medicina frente à autonomia dos pacientes em dizer sim ou não a determinado tratamento. Não se trata apenas de transfusões de sangue, mas também da imposição de cirurgias e outros procedimentos. A tendência é pela proteção da autonomia dos pacientes mesmo que haja discordância da equipe médica, conforme se percebe nos seguintes julgados:

 

Jurisprudência internacional:

A Corte Europeia de Direitos Humanos declarou que “um paciente adulto capaz é livre para decidir, por exemplo, se submeter ou não a uma cirurgia ou tratamento ou, da mesma forma, a aceitar ou não uma transfusão de sangue.

 

A Corte Constitucional da Colômbia concluiu que é inadmissível retirar a autonomia de uma pessoa, indivíduo, e transferi-la a outra, no caso, o médico.

 

Na Argentina, a Corte Suprema de Justiça da Nação esclareceu que “uma decisão judicial não estaria constitucionalmente justificada se autorizasse uma pessoa adulta a se submeter a um tratamento médico contra sua vontade, quando a decisão do indivíduo tivesse sido dada com pleno discernimento e não afetasse diretamente direitos de terceiros.

 

A Suprema Corte de Illinois, EUA, concluiu que, ainda que não se concorde com determinada crença religiosa, uma decisão judicial que se sobrepõe à vontade do indivíduo e determina a realização de transfusão contra a vontade deste não pode ser tolerada do ponto de vista constitucional.

 

A decisão da Justiça do Espírito Santo resguardou não apenas o direito de um indivíduo pertencente a um determinado grupo religioso, mas a segurança e a proteção que todos os cidadãos esperam da Justiça.

 

O hospital em questão não fez a transfusão. Recusou-se também a fazer a cirurgia utilizando as técnicas alternativas e deu alta ao paciente, que segue procurando tratamento em outro local.  

 

Audiência Pública no ES

Em setembro de 2018, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) realizou audiência pública para debater a possibilidade de transfusão de sangue em pacientes capazes que manifestarem discordância por motivo de crença religiosa. A convocação foi feita pelo Desembargador Samuel Meira Brasil Júnior, relator do Incidente de Assunção de Competência nº 0020701-43.2017.8.0048.

 

A primeira e segunda sessão consistiram na audiência social, aberta ao público interessado. Foram ouvidos ao todo 37 interessados, sendo a maioria pacientes que deram seus depoimentos. A segunda sessão foi técnica, voltada para especialistas do meio jurídico, tendo participado 18 advogados de todo o País e, dentre estes, a Advogada da União Aline Albuquerque que falou sobre a transfusão de Testemunhas de Jeová sob a ótica dos Direitos Humanos. Na última sessão foram ouvidos médicos de diversos estados do Brasil que contribuíram para o debate sobre o tema, por meio de exposições técnicas e de relatos sobre suas experiencias no tratamento de pacientes Testemunhas de Jeová.

 

Ao longo de 3 dias cerca de 1000 pessoas compareceram ao Salão Pleno para participar da discussão. As sessões foram transmitidas ao vivo pelo Facebook do Tribunal.

 

O Pleno do Tribunal ainda não decidiu o Incidente de Assunção de Competência. “O julgamento final realizado por esse Tribunal produzirá um norte a ser seguido por todos os juízes do estado do Espírito Santo e sua decisão final, inclusive, terá eficácia vinculante perante toda a magistratura do estado do Espírito Santo”, ressaltou o Desembargador Samuel Meira Brasil Júnior.