Meio Ambiente
Lama tóxica pode atingir lençol freático, comprometer praias e interromper produção agrícola
Por Josimar Silva
“O impacto causado ao meio ambiente pelo rompimento das barragens de rejeitos da Samarco Mineração, em Mariana – MG serão maiores do que causaria a explosão de uma bomba atômica.” A assustadora afirmação é do Biólogo André Ruschi, diretor responsável pela Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi, em Aracruz, que leva o nome de seu pai.
A Samarco pertence à Vale e a anglo-australiana BHP, e o desastre ocorreu no dia 5 de novembro causando uma enxurrada de lama no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais.
No início desta semana, o biólogo postou em sua página da rede social um mapa que mostra a proporção que o impacto poderá alcançar após a chegada do rio de lama ao litoral de Linhares.
Na tarde desta sexta feira, em entrevista ao Site Aracruz, Ruschi não mostrou otimismo com relação aos danos que poderão ser causados pelo que considera o maior desastre ambiental já ocorrido no mundo, superando a explosão da plataforma de petróleo Deepwater Horizon, da britânica British Petroleum (BP), ocorrida nos Estados Unidos em 20 de abril de 2010. O desastre provocou o vazamento de cerca de 4,9 milhões de barris de óleo no Golfo do México.
Para Ruschi, os bilhões de litros de lama tóxica derramados após o rompimento das barragens da Samarco podem contaminar de 3 km a 10 km de área a cada margem do Rio Doce.
“Se chover muito pode chegar a 10 km de cada lado. Dependendo da quantidade de chuva, o lençol freático pode ser atingido tornando imprópria para o consumo toda a água da região”, disse.
Ainda segundo Ruschi, se isso ocorrer, a produção agrícola terá de ser interrompida por décadas e haverá escassez de água para pessoas e animais.
Hoje muitos animais que vivem às margens do Rio Doce já estão morrendo, seja por falta d’água ou por beber o líquido contaminado. Dentro do rio, toda a fauna e flora não têm a menor condição de sobreviver à lama cujas amostras vêm constatando a presença de arsênio, mercúrio e outras substâncias tóxicas em quantidades acima das toleráveis ou tratáveis.
A lama vem trazendo galhos de árvores e animais em decomposição que serão lançados no mar e tendem a se espalhar pelas praias da região. Com o passar dos anos a carga tóxica poderia aumentar devido às fortes chuvas, que trariam mais resíduos fixados temporariamente no leito do rio.
Para o biólogo, todo esse material já deveria estar sendo retirado do rio como forma de reduzir o impacto. “Já era para ter centenas de caminhões sendo utilizados na retirada desse material. Poderiam fazer diques. Hoje as empresas deveriam investir cerca de R$ 1 bilhão para mitigar o impacto”, afirmou Ruschi.
Desastre pode elevar temperatura do planeta:
Outra afirmação assustadora do biólogo é que o desastre tem potencial para elevar a temperatura do planeta em até 10 graus.
“A maior biodiversidade marinha do mundo está na área de Guarapari, que pode acabar sendo afetada, até o norte do Estado. Essa região faz fixação de 15% do Gás Carbônico do planeta, temos o maior banco de algas, calcário e corais do mundo. Se isso tudo morrer, a temperatura do planeta pode aumentar em até 10 graus e os peixes que conseguirem sobreviver não poderão ser consumidos”, revelou.
Perguntado sobre como imagina as praias da região, neste verão que se aproxima, Ruschi respondeu: “Fedidas, com coisas mortas, restos de bichos em decomposição e peixes mortos que, se consumidos, poderão levar à morte”, lamentou.
Áreas de Proteção Ambiental podem estar ameaçadas e recuperação poderia levar até trezentos anos:
Ruschi acrescentou que dependendo do giro da corrente marítima, o material tóxico pode destruir a vida em reservas marítimas do norte capixaba como Comboios, na região de Linhares e Aracruz, onde funciona uma estação do Projeto Tamar, Áreas de Preservação Ambiental (APA) como Costa das Águas e o Refúgio de Vida Silvestre (Revis,) em Santa Cruz, Aracruz. Outras oito unidades correm o risco de serem destruídas pela lama que ainda poderia atingir Abrolhos, na Bahia. Praias da região estão ameaçadas e a lama que desembocar em Regência poderá se espalhar por todas as Praias de Linhares, Aracruz, Fundão, Serra, Vitória, Vila velha e Guarapari, tendo possibilidade de alcançar até balneários do Estado do Rio de Janeiro. A recuperação ambiental em terra, no norte capixaba, poderia levar cerca de cem anos e no mar até três séculos.
Ruschi, que já integrou o Conselho de Meio Ambiente de Vitória, afirma que os Conselhos Municipais, Estaduais e Federais de Saúde, Meio Ambiente, Recursos Hídricos e de Segurança deveriam estar acompanhando de perto os acontecimentos, já que os gestores não têm autonomia para tomar certas providências.
Um dos cem maiores rios do mundo, o Doce banha 230 Municípios que dependem dele para subsistência e trabalho. São 86.715 quilômetros quadrados e suas áreas percorrem cerca de 850 km.
OAB-ES sugere desvio da lama para cratera em Aimorés
A esperança de atenuar essas previsões pode se tornar realidade. Nesta sexta feira (13), a Ordem dos Advogados do Brasil - ES (OAB-ES) encaminhou um documento à Samarco Mineração, pedindo que a empresa estude a possibilidade de desviar a lama do Rio Doce para uma cratera em Aimorés, Minas Gerais, evitando que o material tóxico chegue ao Espírito Santo. A cratera de aproximadamente 9,6 km de diâmetro teria sido formada de um vulcão extinto ou pela queda de um meteorito. Análises das características do solo e de imagens feitas por satélites sugerem que existe a possibilidade de se fazer o desvio.
De acordo com publicação do Site Gazeta Online, o texto foi encaminhado também para Ibama, Ministério Público Federal, Comitê da Bacia do Rio Doce, Agência Nacional de Águas, Ministério de Minas e Energia e Instituto Estadual de Meio Ambiente.
As informações seriam de Orlindo Francisco Borges, advogado especialista em direito ambiental e membro da Comissão Especial da OAB-ES de acompanhamento das ações de proteção da Bacia Hidrográfica do Rio Doce em razão do rompimento das barragens de Fundão e Santarém.
Segundo Borges, a mineradora tomou conhecimento da existência da cratera nesta semana, mas ainda não se pronunciou. Esse silêncio da Samarco fez a OAB requisitar à empresa que esclareça a viabilidade do projeto. Para o advogado, a Samarco precisa pensar em mecanismos para prevenir e não apenas para remediar. Ele afirmou que a comissão vai cobrar esse tipo de postura.
Após comparação do biólogo Andre Ruschi entre o desastre de Mariana com o vazamento de petróleo no Golfo do México, o Site Aracruz comparou também as medidas econômicas dos Governos para garantir o pagamento de ações emergenciais em cada caso.
No desastre dos Estados Unidos, o presidente Barack Obama exigiu que a BP criasse um fundo de compensação de 20 bilhões de Dólares, soma modesta em relação ao que o poder público teria de investir para pagar custos com limpeza e indenizações. O total de despesas da empresa alcançou U$ 32 bilhões.
No Brasil a justiça de Mariana determinou o bloqueio de R$ 300 milhões da conta da Samarco. Quantia que deverá ser usada exclusivamente para reparar os danos causados a famílias da cidade. Por sua vez, a presidente Dilma Rousseff anunciou que a empresa será multada em R$ 250 milhões.
A Samarco tem se pronunciado de forma muito limitada sobre o desastre ambiental.