Meio Ambiente
Valber Camporês- "O descaso com a gestão ambiental em Aracruz deixa risco em barragem"
Por Valber Camporês
Desde o final do século passado o Brasil definiu por meio de legislação que proteger a qualidade do ambiente é obrigação de todos e dever do poder público e entre as ações de proteção ao meio está o controle das atividades que causam significativos danos ambientais. A questão é simples, todos podem intervir nos recursos naturais, mas existe a obrigação de recuperá-lo de forma que os ônus não fiquem para a sociedade.
Na teoria, tudo ótimo, temos um arcabouço legal louvável de respeito e proteção à vida; já na prática a situação é outra. Aqui no Espírito Santo e em várias partes do Brasil o inadequado controle ambiental propiciou degradações irreversíveis em médio prazo e também a morte de adultos e crianças, em vários casos arrastados pela água que se encontrava represada ou até mesmo pela lama de rejeito de mineração.
O pior é que parece que os exemplos não têm mudado comportamentos. Parafraseando os intelectuais que atuam no movimento ecológico, também concordo com o pensar globalmente e agir localmente. Aqui em Aracruz, área rural, ao lado de onde resido posso dizer que a ação de moradores evitou mais uma tragédia com barragem.
Em meados do segundo semestre deste ano observamos máquinas e homens intervindo em área de preservação permanente sob orientação de funcionários da Prefeitura de Aracruz e nos foi informado que se tratava de escavação para passar tubulação de esgoto. A referida área fica localizada nas proximidades do Senai, na Sede de Aracruz. O trecho da intervenção foi longo e incluiu o aterro de uma barragem de terra antiga em toda sua extensão. Até aí tudo bem, mas o final do serviço assustou: após colocarem a tubulação de esgoto, a terra retirada foi devolvida à área escavada sem a devida compactação. Um susto. O que mantém a água reservada em barragem de terra é exatamente a compactação do material colocado no caminho das águas.
Assustados com tamanha despreocupação dos interventores, avisamos por várias vezes o SAAE e, apesar dos vários apelos, dois meses se passaram e não apareceu ninguém para refazer o serviço de forma correta. Chegou novembro e com ele as abençoadas chuvas e a grande preocupação com as barragens mal construídas. Voltamos a avisar o pessoal do SAAE e nada de ação. Risco grande! A estrutura de terra compactada e agora escavada sem os devidos cuidados de engenharia poderia ser levada pelas chuvas, e a represa se romperia promovendo o efeito dominó podendo também romper a barragem logo abaixo e atingir casas, trabalhadores e rodovia estadual. As chuvas foram se intensificando e os sinais do desleixo aparecendo, observem a foto:
Terra não compactada cedendo
Para agravar ainda mais a situação outra triste constatação: somou-se às ações comandadas pela prefeitura uma intervenção privada de terraplanagem, atividade que, em tese, é controlada pela gestão ambiental municipal. Ambas mexeram no solo, deixando-o solto e exposto. O resultado: carreamento de material para a barragem (assoreamento) e o que é pior: para o extravasor (abertura por onde a água das chuvas deve passar sem destruir o barramento). Tudo isso sob os olhos da secretaria que tem o dever de cuidar da proteção ao ambiente!
A foto abaixo mostra a situação do extravasor com sedimentos onde deveria estar livre para a água passar.
A tragédia se aproximava à medida que as chuvas de novembro se intensificavam. Uma chuva intensa encheria a barragem, a vazão de água pelo extravasor não seria suficiente em função da terra nele depositada e a água passaria por cima do aterro, que muito provavelmente cederia em função das valas abertas pela amadora intervenção humana. A barragem se romperia e o filme se repetiria.
Pelo menos nesse caso o final foi feliz. Nós moradores percebermos o risco e deixamos de acreditar que o pessoal da Prefeitura chegaria a tempo, então foi solicitada a retirada dos sedimentos do extravasor ao responsável por uma máquina de uma empresa que atuava em área vizinha e ele prontamente nos atendeu. Tragédia evitada.
Além do amadorismo das pessoas que interviram nas escavações, o que mais nos chamou a atenção nesse episódio foi a falta de ação dos funcionários da prefeitura, entre eles os que atuam na Secretaria denominada de Meio Ambiente, que tem verba de mais de um milhão por ano para gastar na proteção ambiental. Lastimável, principalmente por saber que essa mesma Secretaria de Meio Ambiente, em outras épocas, foi considerada por técnicos do Iema como referência em gestão municipal, e com isso recebeu visitas de gestores de vários municípios do estado e também de estado vizinho. Triste constatação. O que teria ocorrido com os técnicos da Secretaria de Meio Ambiente? Desaprenderam?
Não podemos esquecer de que há muitas barragens construídas sem critérios técnicos, é importante prestar atenção e com isso salvar vidas.
Por fim uma reflexão: É urgente que a população cobre zelo e eficácia nos serviços das prefeituras e, mais urgente ainda, que consigamos métodos para que os trabalhos de um setor que aprendeu a cumprir o seu papel prestando serviço público de qualidade sejam mantidos, independente do conhecimento e da vontade dos eleitos pela população para comandar o município. A vida agradece, e nós também.
PREFEITURA
Procurada pela reportagem do Site Aracruz, a assessoria de comunicação da prefeitura de Aracruz respondeu que a questão deve ser tratada diretamente com o SAAE, que teria sido responsável pela intervenção.
SAAE
Procurado, o SAAE de Aracruz não se pronunciou sobre o caso.
VALBER CAMPORÊS
Biólogo
Especialista em Gestão Ambiental e em Gestão Pública.
Secretário municipal de meio ambiente por duas vezes.
Professor efetivo do município de Aracruz-Es e de graduação do grupo Pitágoras, Linhares-ES.
Participou dos conselhos municipal e estadual de meio ambiente, foi Secretário executivo do comitê das bacias hidrográficas do Litoral Centro-Norte do Espírito Santo.
É atual Presidente do conselho de acompanhamento e controle social do FUNDEB de Aracruz-ES.