Meio Ambiente

Meio ambiente - Valber Camporês escreve artigo para reflexão sobre Aracruz

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Na semana do meio ambiente, o biólogo Valber Camporês aceitou solicitação do Site Aracruz e escreveu um artigo sobre o tema que nos convida a refletir: Será que ambiente em nossa cidade poderia estar melhor?

Semana do meio ambiente

A semana começou (05/06/16) com data dedicada em vários países ao meio ambiente, que hoje prefiro chamar de ambiente, nossa casa comum.

Quem atua na área sabe que não se pode perder a oportunidade de fomentar o debate sobre questões ambientais uma vez que o tema costuma ser tanto na área governamental como na privada o último item das pautas relevantes (posso dizer isso com muita tranquilidade, pois já vivenciei).

Sobre o que tem acontecido em relação às mudanças no planeta, não há novidades. O painel intergovernamental de mudanças climáticas já havia produzido documento informando que teríamos que nos adaptar às mudanças, não seria possível adiá-las ou evitá-las.

Aumento nas temperaturas médias do planeta e alterações no regime de chuvas sempre foram colocados por grande parte da comunidade científica entre as principais alterações que nossa geração teria de conviver. E a previsão se confirmou, no ano de 2016 em cada um dos meses até o presente houve recorde de calor, segundo divulgado pela imprensa nacional, aqui em Aracruz-ES e regiões próximas nem mesmo o mais atento agricultor recorda-se da última chuva cujo volume permitiu um considerável abastecimento das águas subterrâneas. Vivemos a pior escassez de água das últimas décadas e presenciamos os agricultores desesperados observando sem poder fazer nada para evitar a perda por desidratação dos plantios e dos animais.

E a situação deve piorar, em vários pontos do estado falta água para usar nas casas, situação de desespero que certamente trará conflitos, pois pela média histórica ainda presenciaremos quatro meses de poucas chuvas.

Assusta, tomara que as previsões estejam erradas.

Há um conceito básico no estudo da vida: a interdependência. Vida com vida e com não vida estão intrinsecamente ligadas, se ocorre alguma alteração significativa nesse sistema haverá um novo ajuste.

Após 1500 aqui na América iniciamos um processo de degradação sem precedentes, derrubamos a vegetação, queimamos a maior parte dela, deixamos solos expostos e envenenamos água, biota e o solo. Afetamos o equilíbrio e a conta chegou, com um detalhe, foi anunciada com antecedência.

A questão central é: nosso modo de vida atual cobra cada vez mais intervir nos recursos naturais e em seus ciclos, sem limite. O problema é que estamos fazendo isso em um planeta, ou seja, em espaço cujos recursos são limitados, é obvio que não dá certo.

Pagaremos pra ver? Provavelmente sim. É muito difícil imaginar uma mudança nos padrões da vida moderna e desse modo caminharemos para o insucesso da espécie. Um exemplo ilustra isso muito bem, a Ciência já sabe que o desmatamento na região amazônica diminui o lançamento de água na forma de vapor na atmosfera naquela região e com isso os “rios aéreos” trazem menos chuva para regiões como a sudeste e apesar de conhecermos o problema somos incapazes de diminuir o desmatamento na região norte brasileira, pelo contrário, a cada ano registram-se novos recordes nas derrubadas e queimadas. Pobres de nós, ainda somos chamados de sapiens (os que são dotados de sapiência).

Para fechar, uma análise na linha defendida por muitos de que o pensar deve ser global e o agir, local.

A degradação ambiental alcança a todos, mas algumas comunidades parecem sofrer mais. Sabe-se que aqui na Sede de Aracruz-ES quando as pessoas que moram no centro da cidade e nos bairros adjacentes acionam a descarga dos vasos os dejetos são direcionados para valões em outros bairros como o Segato, o Morobá, Morobazinho, Nova Conquista e Clemente. Com isso as pessoas das comunidades onde há valões, principalmente as crianças, têm contato com fezes humanas e um grama delas pode conter milhões de agentes causadores de doenças, situação vergonhosa no denominado município rico.

Pior que essa constatação para os que a não conheciam somente a que relatarei a seguir: pessoas do SAAE e de outros setores da Prefeitura de Aracruz trabalharam muito para acabar com o lançamento de esgoto sem tratamento nos valões, foram anos de dedicação, muito dinheiro público usado para licitar empresa para fazer projeto, pagar pelos projetos, obter licença ambiental, receber outorga dos recursos hídricos para lançamento do efluente tratado, obter recursos do governo federal, dentre outros gastos. Acompanhei esse trabalho que durou de 2006 a 2012, parecia que enfim nos livraríamos na Sede da vergonha de descartar esgoto sem tratamento.

Pura ilusão, ao final de 2012 muda a gestão pública municipal e o temido ocorreu. O projeto para tratar todo o esgoto da Sede de Aracruz não era do grupo que administraria o município de 2013 a 2016, e isso parece ter sido problema (por mais inconcebível que pareça) pois a licitação para definição da empresa que executaria os serviços foi revogada e tudo se perdeu; o trabalho, o dinheiro público investido em projetos e o que é pior, o município devolveu mais de doze milhões ao governo federal que já estavam a disposição a fundo perdido. Trágico. Perdemos por incapacidade de compreensão, perdemos a oportunidade de melhorar nosso ambiente, e tudo sem justificativa, afinal quem participou da decisão de revogar não tinha equipe com capacidade técnica para analisar o projeto, que já estava aprovado por profissionais da Caixa Econômica Federal e do Iema. Tentamos explicar aos responsáveis, mas foi em vão, era muito difícil falar com os gestores e muitos deles não conseguiam discutir o tema, pois apenas “trabalhavam aqui”, à noite se dirigiam para as cidades onde residem.

Triste constatação que nos prova mais uma vez que não há crise planetária, a Terra sempre passou por mudanças. No caso atual, pode-se afirmar que o que há é crise de uma espécie, a humana, que teima em agir sem os devidos cuidados.

Observe as fotos obtidas em 04/06/2016, véspera do dia do meio ambiente, em bairros de Aracruz que têm valões, e que continuarão com eles, infelizmente:

Esgoto em valão da Sede de Aracruz-ES

Esgoto em valão da Sede de Aracruz-ES

No desolador cenário é obvio que fica a pergunta, o que fazer? Difícil a resposta do ponto de vista pragmático mas fácil do ponto de vista conceitual: só há um caminho, uma mudança radical no nosso modo de vida individualista, consumista, destrutivista. Uma nova mentalidade precisa surgir, de cooperação, de repeito às leis naturais, de cuidado com a vida, com o todo, com a continuidade da espécie humana no único planeta que sabemos abrigá-la.

Em caso de necessidade, o direito de resposta estará preservado

Valber Camporês

Biólogo

Especialista em Gestão Ambiental e em Gestão Pública.

Secretário municipal de meio ambiente por duas vezes.

Professor efetivo do município de Aracruz-Es e de graduação do grupo Pitágoras, Linhares-ES.

Participou dos conselhos municipal e estadual de meio ambiente, foi Secretário executivo do comitê das bacias hidrográficas do Litoral Centro-Norte do Espírito Santo.

É atual Presidente do conselho de acompanhamento e controle social do FUNDEB de Aracruz-ES.